Nos próximos dias, os olhos do
mundo se voltarão para o Brasil. A 30ª Conferência das Partes (COP 30) da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, sediada pela
primeira vez no Brasil, em Belém, no "coração da Amazônia", carrega o
peso de um histórico complexo.
Em 1992, o Brasil sediou a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de
Janeiro, a Rio-92, onde essa convenção, juntamente com a Convenção sobre
Diversidade Biológica e a Convenção para o Combate à Desertificação foram negociadas.
20 anos depois, em 2012, também no Rio de Janeiro, ocorreu a Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Essas três Conferências ocorrem
em momentos muito distintos do cenário internacional. Em 1992, quando a CQMC
foi negociada, junto com suas ‘convenções-irmãs’, havia um certo clima de
euforia diante de um novo mundo, um novo arranjo global que emergia do fim da
Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim e a derrocada da União
Soviética.
Surgia um mundo considerado
como multipolar, com o triunfo dos valores da democracia liberal capitalista
que se sagrava como modelo vitorioso e deveria ser levada a todos os povos da
Terra. Ainda era um tempo de entusiasmo com a ciência, que entregava grandes
resultados, e o discurso político subjacente às negociações era aquele que se
acostumou a chamar de modernização ecológica, ou seja, a crença de que a
ciência conseguiria debelar qualquer efeito negativo do progresso econômico em
marcha.
Três décadas depois, a euforia se
foi. O que resta é a urgência.
Quando acompanharmos as
negociações da COP 30, ouviremos falar exaustivamente dos problemas
"pontuais": a dificuldade de garantir o financiamento para medidas de
adaptação, os entraves para uma transição energética justa e a eterna
necessidade de metas de mitigação mais ambiciosas.
Esses debates são importantes,
mas são também uma perigosa distração. Eles mascaram o problema real, aquele
que raramente é nomeado nas plenárias oficiais: é impossível enfrentar
de forma efetiva as mudanças climáticas sem deixar para trás o modo de produção
social que é a sua causa raiz — o capitalismo.
A "Alta Cretinização"
em Ação
O filósofo francês Edgar Morin,
em sua crítica ao "pensamento simplificador", nos deu a ferramenta
perfeita para diagnosticar nossa paralisia. Morin alertou para a "alta
cretinização" produzida pela universidade e pelos especialistas: uma
"inteligência cega" que fragmenta o saber, "destrói os conjuntos
e as totalidades" e nos torna incapazes de "associar os elementos
disjuntivos".
A COP é o palco principal dessa
"alta cretinização".
Enviamos nossos melhores
especialistas — economistas, engenheiros, diplomatas — cada um mestre em sua
minúscula fatia da realidade. O engenheiro foca em um painel solar mais
eficiente. O economista, em um novo mecanismo de crédito de carbono. O
político, na negociação da próxima vírgula do acordo. Cada um otimiza sua
parte, mas ninguém ousa questionar o sistema. O alcance das pesquisas sobre o tema é limitada, parcial e coalha enquanto não romper com o paradigma vigente. Como Morin diagnosticou, eles são
incapazes de "refletir" sobre o todo. Não conseguimos ver que a crise
climática não é um problema dentro do sistema; ela é um
resultado do sistema.
O Verdadeiro Objetivo: Salvar o
Lucro
Sejamos honestos: a tentativa
empreendida nestas pomposas reuniões não é, e nunca foi salvar o planeta ou
garantir o futuro das próximas gerações. A tentativa é salvar o
capitalismo do colapso que se avizinha.
O que importa é salvar o lucro. A
crise climática é tratada não como um limite, mas como uma nova fronteira de
acumulação. A "transição energética" torna-se um espetáculo de novas
oportunidades de negócio, novos produtos e novas chances de lucro, sem jamais
repensar o fetiche do crescimento infinito.
Costumo dizer que o fascínio
atual do carro elétrico é a mais perfeita imagem desse cenário. Ele é vendido
como a grande inovação verde porque elimina o combustível fóssil do consumo
individual. No entanto, ele perpetua intacto o modelo individualista do
"meu carro", a lógica da cidade pensada para o automóvel e a extração
massiva de recursos (como o lítio) para produzi-lo. Ele é a "solução"
perfeita do pensamento simplificador: resolve um sintoma (emissões do
escapamento) enquanto agrava a doença (o individualismo, o consumismo e a
insustentabilidade do nosso modo de vida).
Uma solução complexa, sistêmica,
ousaria pensar em transporte público radicalmente eficiente, acessível e
universal, de modo que o carro simplesmente não fosse mais uma necessidade, mas
isso está fora de cogitação ou tem um espaço muito marginal nas discussões.
O Desafio da COP 30
Enquanto a universidade e os
especialistas nos entregam essa "alta cretinização" (soluções
técnicas que não mudam nada), a mídia nos entrega a "baixa
cretinização": um espetáculo de desastres fatalista ou uma disputa
ideológica rasa.
O desafio da COP 30, no coração
da Amazônia, não é apenas assinar acordos mais ambiciosos. O verdadeiro desafio
é romper com a "inteligência cega". É parar de tentar salvar o
sistema que nos adoeceu e, finalmente, ousar "religar o que o pensamento
disjuntivo separou": a economia da biosfera, o consumo da consequência, e
a nossa sociedade da ideia insustentável de que podemos crescer para sempre.
Como isso será possível? Não sei,
mas não posso acreditar que nossa imaginação e criatividade estejam de tal modo
bloqueadas que não possamos conceber coletivamente novos modos de produção
social, reconciliados com a base material de nossas vidas: o Planeta Terra.