quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Sobre o RJ: o espelho de um Estado em ruínas

A chamada “Questão RJ” não se resume a uma chacina nem a uma faxina, mas é o sintoma visível de uma doença estrutural que atravessa o Estado brasileiro. Nenhum tweet, manchete ou vídeo curto é capaz de captar a complexidade do que acontece no Rio de Janeiro. O que se vê nas operações recentes é a ponta de um sistema que combina falência institucional, desigualdade crônica e cumplicidade entre o poder público e o crime organizado. O problema é antigo, mas reaparece com cada corpo estendido nas ruas e com cada discurso oficial que promete soluções imediatas para males que são constitutivos do próprio Estado.

A primeira camada dessa crise está na superficialidade das narrativas midiáticas e políticas. A cobertura jornalística e o debate nas redes sociais transformam a tragédia em espetáculo, reduzindo uma questão estrutural a slogans morais — “bandido bom é bandido morto” de um lado, “chacina do Estado” de outro. Essa simplificação é conveniente: converte o horror em consumo rápido e oferece ao público a ilusão de que algo está sendo feito. No entanto, por trás das imagens e hashtags, permanecem intactas as dinâmicas de poder que sustentam a violência cotidiana.

No terreno, quem morre e quem mata pertence ao mesmo estrato social: o baixo escalão. São jovens policiais e jovens traficantes, ambos precarizados, ambos descartáveis. A guerra que se anuncia como “combate ao crime” é, na prática, um conflito entre pobres, conduzido por elites que jamais pisam no front. Essa assimetria revela a funcionalidade da violência: ela preserva as hierarquias sociais, renova o ciclo do medo e reafirma o papel simbólico do Estado como detentor legítimo da força — ainda que essa força se exerça de forma desigual e desumana.

As operações de grande escala, com tanques e helicópteros, são mais encenações de poder do que políticas de segurança públicas. Depois de inúmeras Operações de 'Garantia da Lei e da Ordem', Intervenção Federal e todo o teatro institucional, as “pilhas de cadáveres” exibidas como troféus não representam vitória, mas marketing estatal. A sociedade que comemora não é cruel ou desumana, mas é exausta e incrédula, e por isso aceita o espetáculo como substituto da justiça: é mais fácil aplaudir a repressão do que encarar as causas profundas da criminalidade. O Estado oferece sangue como prova de eficiência, e a mídia transforma esse sangue em manchetes, alimentando o círculo vicioso da violência e da indiferença.

A “Questão RJ” também ultrapassa os limites geográficos do Rio de Janeiro. Ela é uma metáfora da falência nacional. Décadas de governos de esquerda e de direita, eventos internacionais, megaprojetos e festas globais transformaram o Rio em vitrine de modernidade, mas a vitrine sempre esteve rachada. Por trás do brilho da Copa, das Olimpíadas e das cúpulas do G-20, persistem as mesmas estruturas de exclusão e de abandono. O Rio é palco porque o Brasil inteiro é bastidor: a violência urbana é o reflexo visível de um Estado que nunca se reformou.

No núcleo do problema está a simbiose entre crime, Estado e mercado. O poder das facções não se sustenta sem conexões políticas, econômicas e institucionais. Lavagem de dinheiro, corrupção policial, financiamento de campanhas, contratos públicos e negócios ilegais formam uma teia que torna o crime parte integrante da economia nacional. Por isso, o combate é sempre superficial: se as investigações fossem realmente profundas, chegariam às elites que se beneficiam da desordem. A repressão, assim, é um teatro necessário para proteger o próprio sistema.

A conclusão inevitável é amarga. O enfrentamento à criminalidade no Brasil é deliberadamente limitado, porque o Estado combate um inimigo que ele mesmo ajuda a manter vivo. A “Questão RJ” não é uma anomalia, mas um espelho — um reflexo cruel do modo como o país administra sua desigualdade e perpetua sua própria ruína. Enquanto o sangue dos de baixo continuar servindo de espetáculo para apaziguar a consciência dos de cima, nenhuma operação trará paz duradoura. Apenas silêncio temporário entre duas tragédias.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Clima e Direitos Humanos – o Parecer da CIDH sobre a Emergência Climática

O Grupo de Pesquisa e Extensão “Constitucionalismo, Clima e Democracia” (CCD/UFCG/CNPq) abre inscrições para o Ciclo de Debates “Clima e Direitos Humanos: o Parecer da CIDH sobre a Emergência Climática”, que será realizado entre outubro de 2025 e junho de 2026, em formato híbrido.

Coordenado pelo Prof. Dr. André Soares Oliveira, o projeto tem como objetivo integrar o estudo da crise climática ao campo jurídico, analisando o Parecer Consultivo OC-30/23 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – documento que redefine as obrigações estatais diante da emergência climática e fortalece a litigância climática na região, com especial atenção à proteção de grupos vulneráveis.

💡 O que propõe o módulo

O ciclo de debates busca compreender como as mudanças climáticas impactam os direitos humanos, e de que forma o Direito Internacional dos Direitos Humanos responde a esse desafio. Os encontros presenciais e virtuais combinarão debates, relatorias, fichamentos e conferências abertas, estimulando a formação crítica, a produção científica e o engajamento extensionista.

🎯 Objetivos principais

  • Discutir a relação entre crise climática e violação de direitos humanos;

  • Estudar o papel do Sistema Interamericano frente à emergência climática;

  • Analisar as obrigações de mitigação e adaptação dos Estados, com base no Parecer da CIDH;

  • Debater os impactos para a proteção de populações vulneráveis e para a litigância climática na América Latina.

🧩 Metodologia

O projeto combina encontros internos presenciais (no CCJS/UFCG, às quintas-feiras, 18h30–20h) e eventos online abertos ao público.
Cada participante desenvolverá fichamentos, relatorias e uma produção científica (artigo ou resumo) a ser apresentada em eventos da área.

📅 Cronograma

  • Inscrições até o dia 29 de outubro de 2025.

  • Primeiro encontro: 30 de outubro de 2025 (quinta-feira), no Campus I do CCJS.

  • Duração total: 16/10/2025 a 16/06/2026, com encontros semanais e conferências virtuais ao longo do período letivo.

👥 Público e vagas

Voltado a discentes do curso de Direito da UFCG, o projeto oferece 10 vagas. Caso o número de inscritos exceda esse limite, haverá seleção com base no CRE e em carta de motivação.

📝 Inscrições

As inscrições serão realizadas por formulário Google.

🌱 Por que participar?

Mais do que um ciclo de estudos, este módulo é uma formação jurídica voltada para a ação transformadora, conectando teoria, pesquisa e extensão. Ele prepara o(a) estudante para compreender o dever estatal de cuidado climático, as bases da litigância interamericana, e o papel do Direito na defesa da vida e da dignidade humana em um planeta em crise.

O Mito da Democracia Brasileira e a Gestão Civil do Autoritarismo nosso-de-cada-dia

A crença comum, repetida à exaustão em salas de aula e palanques, é a de que vivemos em uma democracia plena desde 1988. Votamos regularment...